" Paz das montanhas, meu alívio certo! "

02/10/2011

Homenagem ao último Vezeireiro de Ferral - 3ª Parte


Depois das barrigas bem fartas da saborosa couve com o verdadeiro saber a verde, acompanhada de uma suculenta carne das terras do Gerês e as batatas ainda a saber ao cheirinho que saía da panela de três pernas a ferver, lavaram-se os pratos no rio e eu aproveitei para beber mais o copo numero... não sei quanto de vinho doce, cujas uvas tinham sido pisadas no dia anterior! Verdadeiro néctar dos Deuses que bebi pelos próximos futuros anos!!
Tivemos como um toque quase final do enorme cogumelo que apanharam pelo caminho, grelhado na fogueira com um pouco de sal...delicioso! 



O cafézinho não faltou acompanhado do "cheirinho" que o Sr.Martins teve a amabilidade de oferecer. Provámos também um licor de hortelã pimenta muito bom!
Bem e depois disto tudo, já não sei se digo coisa com coisa ou sem ela, mas que tudo soube  mesmo bem, soube! E não é desta que consigo atingir a linha de dieta pretendida! É caso para dizer, perdoa-se o   mal que faz pelo bem que sabe!!


Após tudo isto foi tempo de tratar do verdadeiro motivo que nos levou a reunir naquele dia. Eram horas de pôr os pés a caminho e ir visitar a " residência" que o Sr. António Veras já não via há mais de 20 anos!!
Fomos então pelo trajecto que nos levou à cabana do Pinhedo.
A caminho lá se passou o rio por duas vezes, não sabendo muito bem como não falhei as pedras brancas e redondas, uma vez que as minhas pernas estavam moles como tudo...
É de surpreender o Teixo que passámos bem perto a mais de metade do percurso, era  impressionante! Nasceu praticamente entre as pedras próximas do rio e as suas raízes ramificavam-se a mais  de 5 metros do tronco, passando pelo centro do nosso trilho!! Descrito é uma coisa mas visto é outra!A Natureza surpreende-nos sempre!




Uma grande parte do grupo dirigiu-se à cabana do Pinhedo, recuperada umas semanas antes pela comissão da Vezeira do Ferral. Pelo que percebi, a ideia era levar o Sr. António ao local que até agora se encontrava adormecido por entre os fetos, carqueja e outra vegetação serrana.
A cabana ou forno acolhedor, fica  a mais do meio da colina do vale, com uma bela pala, formando um pequeno espaço interior coberto, onde o Sr. António mais o seu irmão e o pai André se recolhiam muitas das vezes, quebrando a solidão da serra e das fragas!


Que bem se está aqui!!


"O Forno dos pastores gerezianos, ligado ao regime comunalista e pastoril que os seus povos têm, é bem ainda, pelo espírito ancestral que representa, o espelho liso da tradição em que aquela gente, sequestrada do mundo, vivia noutras eras a vida de paz, a vida simples de fraternidade e de amor, que os novos tempos e as civilizações novas lhes vão dia a dia enfraquecendo e quebrando.Conserva-lo, é conservar e respeitar uma típica característica geral do passado."                         
                               - Tude de Sousa-

E todos queriam conhecer  por dentro a cabana do Pinhedo!Aquela que acolheu muitos dias e noites o Sr. António. E quando a chuva traçava a serra com riscas bem pesadas e embicadas o pai André dizia:
" Ó rapaz deixai-vos estar ao lume que está fraca a maré!!"
e lá ficava o Sr. António e sua da parte a família resguardados pelas palas do granito e aquecidos pelo lume da pequena fogueira...
" Punha-me aqui a guardar quem vem", disse o Sr. António, e lá foi contando mais algumas das  suas muitas pequenas histórias... 
" Chefe! Então e a sopa?!"
" Mal ou bem lá a comíamos...e dormíamos"


Com o entusiasmo e curiosidade em conhecer o forno recuperado nem reparei na expressão do Sr. António!
Imperdoável para mim! Mas lembro-me do mesmo, no canto ao lado da entrada, e observar todos os que lá queriam espreitar, com um sorriso tímido e cansado, como se de um menino ainda se tratasse.
E pergunto-me como será ver um local há tanto tempo deixado para trás...um local que o próprio Sr. António confessou que achava nunca mais o ver!!

E já alguns cobiçavam a cabana para as próximas férias, não há dúvida bastante acolhedora! Só lhe falta uma portinha para ficar perfeita!

Esta expressão...já cá ficava, se pudesse!!
E lá começamos com a sessão fotográfica, para além do grupo todo e da comissão de Ferral, muitos de nós fizemos questão de ter a honra de tirar uma individual com o Sr. AntónioVeras   o   " noivo"  da festa!

A comissão


" Ó Sr. António, dê-me licença que enfie o meu braço no seu?...pois com certeza ,respondeu-me timidamente. " Diga lá se não fazemos um belo par?!"

Estávamos todos muito contentes e satisfeitos perante a simplicidade daquele Homem e do belo resultado daquela cabana geresiana!
Chegou o momento de entregar ao Sr. António Veras em mão, a bem merecedora lembrança! Uma escultura que foi feita  pela "Arte da Terra", que não puderam estar presentes mas tiveram a amabilidade de oferecer esta simbólica e bonita escultura!





Esta escultura foi entregue às mãos do Sr. António com meia dúzia de palavras improvisadas dirigidas pela gente que o acarinha  e isto deixou-me a reflectir...há verdadeiras riquezas que falam mais alto!Em troca de um nada, apenas pelo prazer de dar e agradecer, e não deixar morrer as memórias do último vezeireiro de Ferral que pisou durante anos a mais bela serra de Portugal.

E quem se digna a fazer o mesmo, nos tempos que correm e nas condições do antigamente? É um trabalho para os mais pobres dos pobres? Desafio os mais ricos dos ricos a demonstrarem as suas verdadeiras capacidades!!

" E nenhuma serra convida tanto como o Geres, onde os homens e as árvores, as pedras e as águas a sua fauna e a flora e sua constituição própria, nascidas, criadas e irmandadas num admirável conjunto, oferecem ao forasteiro atractivos sem rival" 
                                                                                                                    - Tude de Sousa-
                                                                                                           
Regressámos ao acampamento base e pouco depois estávamos todos debaixo do tolde de plástico à espera que a grande descarga de chuva que caiu dos cèus naquele momento passa-se. 
Logo que o S. Pedro resolveu dar-nos um pouco de liberdade, o grupo começou a arrumar o mais rápido possível todo o material que tornou possível fornecer um dos mais belos almoços em que estive até hoje!!
Cada um ajudava no que podia e sabia e depois foi só carregar com tudo até ao estradão, tarefa nada fácil principalmente para quem carregava com os objectos mais pesados! Eu levei a tábua da carne...tive sorte! E já agora aproveitei para registar alguns momentos pelo caminho!

E alguém já tinha ido ordenar o gado do outro lado da montanha!

Toca a arrumar...
E a levar...
E carregar...









 Pelo caminho encontrei autênticos arranjos florais que brotavam da terra!!




 E tal grandeza da terra húmida que tive o prazer de pisar docemente!!Assim fosse possível poder fazê-lo todos os dias!!




E como tudo na vida não dura para sempre, tinha chegado a hora de nos despedirmos deste dia,  de  que me orgulho ter tido o privilégio de poder ter participado e vivido!



Para além destes registos fotográficos e de ter a felicidade de partilhar estes momentos com todos vós, ficou-me o registo principal o qual ninguém me poderá retirar, as recordações deste dia. As da Natureza, do cheiro da terra, a humidade da chuva, a força do vento! As da mão do homem desde o saboroso cozido, os deliciosos vinhos e licores, a quente fogueira que nos aqueceu! Mas muito mais ainda, foi a harmonia e a convivência entre o grupo e o mesmo objectivo para o qual caminhámos, o de não deixar apagar os memórias do passado.
E por último nunca me irei esquecer dos diálogos que tive que o Sr. António e das suas histórias, um Homem que merecia um livro!
Um muito obrigado à comissão de Ferral pelo convite e por este memorável dia! 
Os meus parabéns pela iniciativa que tiveram em homenagear o ultimo Vezeireiro de Ferral!
Dedico este dia a todos os que estiveram presentes, com um grande carinho ao Sr. António Veras e também dedico-o à minha amiga White Angel que não pode estar connosco, mas que esteve de uma forma indirecta sempre presente, mais não seja quando conseguia ver as montanhas por entre as nuvens de chuva, as que ela tanto ama!!


E faço questão de acabar com a mesma foto que comecei, com o mesmo retrato que admirei, e com o olhar de cristal que me marcou:

 
Sim olhar a paisagem...
Olhá-la como um bicho
Ou como um lago.
Olhá-la neste vago
Sentimento
De pasmo e transparência.
Olhá-la na decência 
Original,
Com olhos de inocência
E de cristal.
                                 
                                                                                                      Reflexão -Miguel Torga-


2 comentários:

  1. Já estou com curiosidade para ver essa tal cabana esquecida no tempo.
    ...E os 'quadradinhos doces' de Pincães já desapareceram!

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  2. Há peixinho guloso!! Consegues ser pior que eu!!

    Combinámos um dia e vamos fazer uma passeata por aqueles lados, vale a pena!!

    Beijinhos :)

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