A albufeira de Vilarinho que hoje predomina foi outrora um pequeno rio que atravessava um vale entre a Serra do Gerês e a Serra Amarela. Neste vale germinava uma aldeia comunitária longe do mundo, cujo o destino era a sobrevivência dos seus habitantes, e que por desejo soberbo dos tempos modernos, quis o dito homem civilizado construir um gigantesco muro impedindo as águas de circularem livremente, e retirar, hipocritamente a bem,os furnenses, da sua aldeia que os viu nascer!
Foi das últimas barragens a serem construídas em terras geresianas, foi inaugurada a 21 de Maio de 1972, e a sua função era diferente das outras.
Como não tem aproveitamento hidroeléctrico tem como objectivo criar uma reserva de água que é conduzida até à Caniçada através de uma grande conduta e que por sua vez seria bombeada de novo para a albufeira de Vilarinho.
Estranho e cruel fim para os seres humanos que habitavam este cantinho entre Serras, resta a esperança de um dia este muro, como todos os outros muros, se desfazer e a própria natureza se vingar do betão que a mão humana estruturou e realizou, como se de uma grande obra se trata-se...
A terra está lá, ainda continua por lá, sendo uma propriedade dos antigos habitantes de Vilarinho da Furna. Verdade! Está registada na conservatória como tal! E tudo o vento pode levar, menos a terra, que embora submersa pelas águas do rio homem, de vez em quando uma parte das suas pedras, já mais que lavadas, espreita os raios solares, os mesmos que a viu um dia nascer, e aguardam silenciosamente, quem sabe pelo seu renascimento...
Corre o menino no caminho que o leva à aldeia, seus pais lhe disseram que por ali já houve meninos como ele...e que corriam também. |
E depois de 20 minutos de carreiro eis que surge, quase do nada, um cenário de fazer doer a vista!
Um cenário de guerra entre a paisagem e a natureza humana!
Um belo exemplo em como o poder do homem continua a sobrepor-se a tudo o resto, mas com o seu limite...
Um dia ou uma noite, será indiferente, a força das águas tomará o seu rumo natural e os nossos descendentes começarão a cultivar novamente as terras!
E a criança pergunta:
Mãe, afinal o que existe aqui?!
E ela responde:
Meu querido! Aqui já só existem sombras, quando a
terra deixa as flores germinarem!!
Existe um lençol de água, a cobrir as
chorosas pedras com saudades das
suas crianças!
Existe um pequeno rio, rio de Furnas, que ainda mata a sede da aldeia fantasma!
E sempre temos as pequenas pedrinhas que podemos utilizar para adornar o solo e esperar que por aqui possam brincar mais meninos como tu!!
"Habitando a crosta do mundo, a criatura humana sabe que, ao chamar seu a um chão, está a laborar numa fantasia. As cadeias de montanhas e seus vales estendem-se, indiferentes e maiores do que os limites que o homem traça nos seus projectos mais desmesurados, e mesmo a mais singela erva se insinua por sob as suas construções mais portentosas, impondo sempre uma vigilância sobre a possibilidade de ruína. No entanto, e de certo modo paradoxalmente, as edificações votadas ao abandono revestem-se de uma beleza particular, porque na sua decadência repleta de musgos, silvedos e destroços parecem finalmente inscrever-se na própria natureza, tornando-se parte do mundo natural, eterno e imemorial."
Rio Homem - André Gago
Viam a luz nas palhas de um curral,
Criavam-se na serra a guardar gado.
À rabiça do arado,
A perseguir a sombra nas lavradas,
Aprendiam a ler
O alfabeto do suor honrado.
Até que se cansavam
De tudo o que sabiam,
E, gratos, recebiam
Sete palmos de paz num cemitério
E visitas e flores no dia de fiados.
Mas,de repente,um muro de cimento
Interrompeu o canto
De um rio que corria
Nos ouvidos de todos.
E um Letes de silêncio represado
Cobre de esquecimento
Esse mundo sagrado
Onde a vida era um rito demorado
E a morte um segundo nascimento.
Barragem de Vilarinho da Furna, 18 de Julho de 1976
E assim foi-se embora, o homem e suas crianças! |
"Assim, a natureza, mesmo ferida, supera o homem, porque, ainda que o homem atinja a natureza no seu âmago, fazendo-a tombar, tombará primeiro o homem nesse derrube, e depois de extinta a sua espécie mudará a natureza ainda de muitas formas e por muitas e muitas gerações, antes que possamos sequer ousar imaginar o seu fim. Por isso, a formidável audácia humana de lhe laquear os rios com barragens apenas contribui para engrandecer a lenda titânica da sua força, já que os homens sabem bem que tais barragens acabarão por soçobrar, arrancadas pelos rios ou pelo tempo como as patéticas linhas e estacas que procuravam aprisionar os movimentos de Gulliver.(....)"
Rio Homem - André Gago
( Um romance que aconselho a lerem )
Muy bien!
ResponderEliminarVocês andaram cá em baixo e nós lá em cima, pelas Casarotas até à Louriça.
Já fica a 'convocatória' para fazer o trilho puxado que sobe daqui da aldeia até ao fojo do lobo da Louriça.
Lírio ... sem palavras. Ou então apenas uma: excepcional. Curiosamente, andámos pelos vistos ambos em caminhadas de nostalgia: tu por Vilarinho da Furna, eu pela linha abandonada do Douro, entre Fregeneda e a foz do Côa; e é uma dor de alma ver o estado da linha e das estações abandonadas.
ResponderEliminarUm abraço aos dois!
Amigos, este pequeno trilho não é recente! Foi realizado em Setembro do ano que passou!
ResponderEliminarAinda tenho algumas coisas por publicar, o tempo não é muito e por isso vou fazendo como posso.
Já tenho algumas deste ano, não tantas quanto gostaria! Logo que possível irei partilhar com todos vós :)
Abraços