Por estranho que possa parecer, penso que nunca irei sentir monotonia pelos locais onde já passei diversas vezes no meu querido Gerês. Alguns deles é sempre a primeira vez que os visito! Sempre com uma felicidade tamanha que não consigo muita das vezes disfarçar!!
Ultimamente não me tem sido possível visitar as montanhas das cabras montesas com muita frequência, e neste Domingo passado não pude deixar passar a oportunidade de o fazer, apesar de ter adiado a visita de uma grande e querida amiga de infância.
Cascata de Leonte...quase seca! |
O desafio seria encontrar um curral pouco falado e frequentado pelos que passam, pois por lá só passa quem lá vai de propósito, mas sendo mais um cantinho escondido na minha serra eleita, seria com certeza lindo de ver e repetir!
Começo do trilho |
Algures entre o Mourô e a encosta da Cantina, surge um trilho rasgado e limpo pelos homens da Vezeira do rio Caldo.
Muito discreto, quase passando despercebido, por ele se penetra deixando para trás a estrada e a presença humana para pouco depois estarmos rodeados por um silêncio quebrado pelos cânticos dos pássaros, pelo bater das folhas das árvores, tornando o trilho muito fresco e aprazível de calcorrear em pleno Verão!! É uma subida muito agradável! Por alguns momentos a nossa imaginação mergulha num bosque de gnomos jogando às escondidas sem que nunca sejam encontrados!!!
Encontradas foram pequenas mimosas no início do trilho! A maior parte ainda rebentos! Não gostei do que vi! Comecei a arrancar as que se cruzavam no meu caminho, e quase que por ali ficava retida não fosse Orion chamando por mim "ameaçando" que me deixaria para trás! Pois lá fui eu em passo de corrida arrancando volta e meia uma ali e outra acolá, tendo o cuidado de colocar as mesmas sobre superfícies com pedra para não voltarem a pegar na terra.
A variedade da flora e espécies ali existentes eram harmoniosamente surpreendentes! Tinha muitos rebentos de carvalhos e azevinhos tanto nas bordas como no meio do trilho. Passava mais tempo a fixar o meu olhar no chão para não magoar os mesmos. Respirava vida, estava rodeada dela!!
A minha respiração já um pouco sôfrega e acelerada, perturbava a minha audição, queria captar todos os ruídos mas não conseguia... para tal teria de estar parada!
Uma jovem mimosa! |
há que arranca-la... é uma infestante para o parque nacional! |
Um futuro Azevinho! |
Um jovem Carvalho! |
E após diversas curvas e contracurvas lá demos com o curral da raiz! Silencioso e cativante!Verdinho como todos os currais. A cabana não se avista de imediato, foi preciso pesquisar o terreno mais a fundo para finalmente avistar uma pedra ao longe suspeitamente lisa para perceber que era obra humana disfarçada entre o corpo da natureza!
A cabana estava muito limpa por dentro e cheirava a cimento fresco, tinha ainda algum material de construção por lá...muito convidativa e acolhedora!
Havia algum gado por aquelas bandas, mas logo que pressentiram a nossa presença dispersaram e desapareceram, resolvemos seguir-lhes os passos pois iam precisamente em direcção ao nosso próximo ponto, o Camalhão.
E aí está ele! O curral da Raiz! |
Onde estará a cabana?! |
Pé de Cabril não sai da vista! |
Ora aqui está a simpática cabana!! |
Preguiça ao longe...vejam só a quantidade de mimosas, do outro lado da estrada, a invadir a encosta! Até dói só de ver! |
Não sabíamos muito bem a direcção correcta a tomar, mas tínhamos algum sentido de orientação, o suficiente para ligarmos os pontos. E mais uma vez as pequenas aventuras e obstáculos surgiram. Trilhos visíveis direccionados para matagais... depois há que procurar outro sentido mais para cima ou para outro lado e demos com uma pequena colina de mato e pedras. Toca a subir e ver o que há do outro lado.
A esperança de encontrar mais visibilidade e uma saída de emergência no cimo de uma colina ou de qualquer montanha que não conhecemos, toma-nos conta do desejo momentâneo, mas nem sempre tem uma saída...foi o caso. Chegar ao cimo a transpirar e ver uma ravina do outro lado é animador...para procurar outra alternativa claro.
Até à próxima! |
Cogumelos nesta altura?! Tinha de ser na bosta!! |
Por ali não dá... |
Orion foi explorar o terreno lateral da colina, enquanto eu repousava deitada nas pedras aquecidas pelo sol, contemplando a bela paisagem que se desenrolava à minha frente, aproveitei para comer uma bolacha, sentia neste dia uma fraqueza de corpo, estava em má forma física. Orion acenou-me positivamente, havia saída para o lado esquerdo.
Lá fui sentindo ainda a fraqueza a persistir. Subimos mais um pouco o aglomerado de pedras graníticas, descemos um pouco para o lado direito. Orion estava bastante mais à frente e já se encontrava novamente mais acima." Como foste parar aí? ", perguntei-lhe, ele apontou para o meu lado direito e respondeu " só tens que avançar ali e subir, o terra é firme podes passar à vontade!". Olhei para minha frente e vi um pedacito de terra no solo granítico, cujo lado direito tinha um pequeno ramo ressequido e um declive que não dava para ver onde terminava. Só pensava na subida a seguir que também tinha pedacitos de areias de granito e imaginava um dos meus pés a falhar e a malhar lá em baixo!! Não me sentia segura, as pernas tremeram, que se passava comigo? " Não! nem pensar, prefiro ir pelas rochas, confio mais na pedra que na terra!", Orion atirou-me uma corda, amarrei-a à cintura e trepei pelas pedras do meu lado esquerdo. Foi nesta altura que desejei ter um pequeno curso em escalada, as bases são fundamentais. Flexibilidade não me falta mas preciso de lutar contra a insegurança que sinto nestas alturas!
E enquanto Orion analisava o terreno... |
Eu acalmava o fôlego e saboreava a paisagem!! |
Lindo né?Reparem...ainda há urzes! |
E aqui está ele!!! |
E finalmente solo firme e marcha certa!Em pouco tempo já nos aproximávamos do Camalhão, mas antes disso tive a felicidade de encontrar um jovem Louva-Deus e não resisti em saber qual a sensação de me sentir tocada pelas suas delicadas patinhas! Este insecto que me fascina, era-me repugnante à uns belos anos atrás!Como estes bichinhos me cativaram e me ensinaram a perceber que a beleza está na forma como nós a encarámos! Que perfeição!
Não faz mal! Eu é que estou a assusta-lo!!! |
E Orion espera e desespera! |
Junco |
Finalmente avistámos o vale onde se encontraria o Camalhão! E ora ali está o belo prado ainda muito pequeno!
Dirigimos-nos para um aglomerado de rochas graníticas, suspeitei que do outro lado seria o local onde se localizava a imagem da Senhora do Camalhão. Contornámos a rocha e ali estava ela! Tão perto de nós!
A partir daqui os meus batimentos cardíacos ficavam mais entusiasmados! Tinha o belo prado do camalhão ali tão perto, descemos rapidamente só desejava calcar aquele solo abençoado!
Prado do Camalhão à vista!! |
E aí está ela... |
A simpática Sra. do Camalhão!! |
A contemplar o seu belo prado!! |
Não é lindo? |
Não me canso de observa-lo... |
Venham comigo! Vamos ver mais de perto. |
Passámos o ribeiro e depressa já nos encontrávamos perto da cabana. Era a hora do almoço.
Rebolei no chão, toquei com minhas mãos aquela relva de aroma serrano e tentava agarra-la como se fosse possível toma-la nos meus braços! Tentei dar-lhe um abraço!
Da última vez que cá estive, fiquei sentada neste tronco mais a minha querida amiga White Angel!!Foi um momento inesquecível! |
A cabana do curral |
E aqui ficava...se pudesse!!! |
Vejam as esculturas da natureza! |
Mesmo mortas...transmitem vida!!!Que brancura imaculada!!!Que estranha sensação... |
Fomos em direcção ao Prado do Teixeira, mas subimos as montanhas à nossa esquerda mesmo antes de chegar ao curral. A minha finalidade descobrir o trilho que Angel me tinha indicado quando por ali passámos, uma outra forma de chegar à Roca Negra. Queria descobrir a varanda que a mesma se deliciou a descreve-la, procurava esse prazer também.
E enquanto que Orion já reclamava da subida, eu ia em passo leve vivendo cada passada que dava, olhando para trás e sorrindo...por vezes pergunto-me se é verdade ou se é apenas um sonho ali estar!
E passando para o outro lado lá estava a suposta varanda que Angel me falou! Sim é de facto uma sensação magnífica, todo aquele vale ali à nossa frente!
Estava feliz, tão feliz que se pudesse distribuiria a minha felicidade momentânea por todos aqueles que sofrem. Lembrei-me das pessoas que conheço pessoalmente e cuja vida deixou de sorrir, partidas do destino cruel em que me questiono se ouve alguma vida anterior em que essas mesmas pessoas foram más e agora estão a pagar pelo que fizeram...lembrei-me do meu tio cuja morte lhe roubou nas suas 44 primaveras, à uma semana atrás...ali os meus olhos brilharam e uma lágrima teimava em descer...soltei um pequeno berro e libertei as energias negativas. Fiquei mais leve.
Não fomos para as Rocas, andámos a vaguear um pouco por ali, sem saber o caminho certo a tomar. De qualquer maneira não estávamos muito a fim de dar uma volta maior neste dia e portanto descemos por outra corga com bastante mato, onde se avistava uma mariolas muito tímidas, sinais de trilho à já muito abandonado.
Para minha felicidade passámos novamente o camalhão e seguimos vale acima com o destino ao Mourô.
Pelo caminho encontrámos um simpático prado nitidamente abandonado. Os vestígios da cabana em ruínas lá estavam e um telhado em Zinco tombado a algumas dezenas de metros dali. Tinha um pequeno tanque com água e tudo...o que será que surgiu àquele curral? Mal sabíamos que passado pouco tempo iríamos saber um pouco da sua história e que este Curral teria o nome de Junco.
Continuámos a subir a encosta e depois descemos em direcção a Mourô. A meio do percurso não deixámos de parar mais uma vez nos poucos Teixos que existem no PNPG. Por este trilho estão cerca de três Teixos ao lado de um Ribeiro.Esta espécie autóctone em grande parte da Europa, encontra-se quase extinto na flora portuguesa. No Gerês foi sobretudo à acção dos pastores, alarmados por o teixo ser venenoso para o gado, que se deveu a sua progressiva eliminação. Felizmente agora sendo um parque nacional, com as suas normas e regras uma das quais não permitindo o abate de qualquer espécie arborícola.
Já Miguel Torga escrevera em 1947 no seu diário IV « Andei há tempos várias léguas para ver um teixo, que é uma árvore que os botânicos dizem que vai acabar.»
Aqui estão eles! |
Dezenas de belos minutos mais à frente e já o prado do Vidoal espreita! Coberto de gado Bovino! É com certeza de alguma vezeira! E olha lá, tem dois homens junto da cabana! Devem ser os Vezeiros...
Atravessámos o curral com passo vagaroso e com cautela, sentindo-me constantemente observado por este belos animais de grande porte e com belos pares de chifres assustadores! Os vitelos eram às dezenas, alguns já com um par de corninhos já a espreitar. Tão queridos! E já tinham uma "voz" grossa!
Dirigimos-nos aos dois simpáticos pastores que estavam entre a cabana e o grande carvalho que por ali habita. A fogueira perto da mesa de granito já ardia e o cheiro a fumo até era agradável, tornando todo aquele ambiente muito característico. após umas boas tardes e uma pequena troca de palavras, acabámos por ficar bastante tempo retidos numa longa conversa ao som dos mungidos do gado, a qual contribuiu para a minha sabedoria cultural em relação ao nosso povo do nosso Portugal!
A Vezeira era a do Rio Caldo! Uma Vezeira como outras existentes nestas terras geresianas , que já vem do tempo dos avós e dos avós dos avós, não se sabe o seu início, mas que pelo menos já lá vão mais de 100 anos!!
Deliciei-me a ouvir as histórias destes dois irmãos filhos de Adelino Magalhães de Rio Caldo:
- A história dos homens que roubaram a imagem de S. Bento da Porta aberta, a forma como a dita imagem foi encontrada e o "castigo que o santo lhes pregou"!
- A revolta em relação aos guardas do parque nacional, que nada deixam fazer, nomeadamente as queimadas...compreendo estes pastores mas também compreendo o papel dos poucos guardas existentes no parque, que não têm uma tarefa nada fácil pela frente!
- Os relatos dos fogos na Serra e de como também os próprios pastores ajudaram a combater os mesmos...e o fogo que surgia à noite de uma forma suspeita enquanto os helicópteros andavam a encher os baldes na albufeira.
- A vontade de alguns "superiores" quererem eliminar as vezeiras e proibir o gado de subir à serra! Os protestos no governo civil de Braga!
- A carne gostosa que o gado bovino fornece e a forma como muitas pessoas preferem as carnes dos hipermercados, que são mais baratas, mas que vão para o tacho e fica em quase nada!
- A história do Curral do Junco, o mesmo também pertencia a outra vezeira. A destruição da cabana deve-se a qualquer desentendimento entre as vezeiras...
São homens da terra que sempre existiram antes do Gerês ser um parque nacional. Têm os seus hábitos e tradições, que aprenderam com seus avós e pais.Compreendo-os perfeitamente e dei-lhes toda a força para que nunca desistam dos seus costumes.
Mas é importante que continuem a existir os guardas no parque para que assim tudo se possa equilibrar de modo a que ajudem a perseverar as espécies e o território do único parque nacional.
Sr. José e Sr. Domingos |
E assim se passou mais um belo dia na Serra do Gerês, pena foi a grande fila de automóveis de Kms, pouco depois da Vila! Gerês em Agosto e ao Domingo...será que ainda não perceberam que o Gerês é lindo todo o ano?