" Paz das montanhas, meu alívio certo! "

15/10/2011

Sob um céu estrelado no Gerês...



Já foi  há mais de uma década, no século passado, que nos encontrávamos numa ilha paradisíaca, naquilo que habitualmente chamam de lua de mel.
Após um percurso de mais de 100 Kms do aeroporto até ao hotel, conduzido por um motorista aparentemente louco nas curvas, chegámos ao quarto aliviados por estarmos vivos, e exaustos de tantas horas de viagem e emoções à mistura!
Mas valeu a pena, pois pela manhã quando o sol surgiu, Orion abriu a enorme janela que dava acesso ao pátio e exclamou: " Ui!! Temos uma selva em frente ao nosso quarto!!"
O entusiasmo foi enorme, tudo era novidade, mas o pico máximo da curiosidade foi ver a praia pela primeira vez, após percorrer uma mini-floresta tropical e ver o mar  verde-esmeralda, sobre uma areia muito branca e fina, que reflectia nos nossos olhos ainda habituados ao verde Minho!! Parecia saído de uma capa de revista! Há momentos na vida que nunca ficam esquecidos no tempo...

Há quase duas semana atrás, fizemos anos dessa união e decidimos festeja-la de uma forma novamente especial e única!
A ideia partiu inicialmente de mim e Orion nem contestou. Estávamos de acordo, iríamos realizar a nossa primeira autonomia e já dá para imaginar onde...no Gerês claro!
Actualmente a nossa vida não nos permite ainda muito este tipo de liberdades, mas esta seria por uma razão muito especial e excepções são sempre aceites.


Partimos então de manhã, tal como sempre imaginei e sonhei, caminhar com serenidade pelas montanhas mais belas do meus país! Parecia um sonho ainda! Estava ansiosa como da primeira vez que visitei a ilha apesar de mais contida, madura mas não menos emotiva.
Não tínhamos experiência em caminhar com mochilas bem mais carregadas que o habitual, mas aprendemos a fazê-lo  nos primeiros kms! E que diferença, agora compreendo melhor os que carregam com mais de 10 kg às costas!
Possivelmente levei coisas desnecessárias, e se perguntarem a Orion ele responde logo afirmativamente  sem hesitar, mas queria eu que fosse tudo quase perfeito!
Começamos em Fafião, pelo já bem conhecido trilho da Vezeira. É  um percurso muito bonito mas quase sempre a subir nos primeiros kms e mais duro para quem leva umas boas dezenas de quilos às costas sem a mínima experiência...caso para dizer, carregados que nem burros, felizes e teimosos!!

Passámos pela plantação de Fafião, é enorme e está muito bem tratada! Reparei que tudo estava muito limpo à volta!

A finalidade para além de gozar o percurso era encontrar a cabana perfeita para uma noite ainda melhor...o ingrediente principal já tínhamos...
Descrito desta forma até parece um romance de novela, a diferença é que tudo isto foi bem real e mais uma lição do lado simples da vida!


Um dia gracioso recheado de sol, paisagens deslumbrantes, água verde correndo pelas pedras brancas, fontes frescas e rejuvenescentes, medronheiros recheados, ervas aromáticas, azevinhos e Teixos, pinheiros silvestres, soberbas montanhas, gado bovino e o som do caprino do outro lado das montanhas, aves de rapina, o dourado do feno no prado eleito e o cheirinho do mesmo dentro da acolhedora cabana! Que mais poderíamos desejar?!












Depois de decidirmos a estadia,  bagagens instaladas e apreciar o leito coberto de feno, Orion levou-me ao acarinhado miradouro da nossa amiga White Angel, para  apreciar os tons do pôr do sol!
Sabem... por vezes é difícil descrever o que sentimos, e tal como uma pintura bem esboçada numa tela, melhor não dar mais uma pincelada para não estragar!!

 



















Regressámos à cabana rodeada de um muro, tão bem enquadrada na paisagem que quase parecia brotar da mesma! Comecei a preparar o "ninho" antes que a noite regressa-se definitivamente, enquanto Orion preparava a fogueira e punha a sopa instantânea a fazer, há anos que não comia uma! Marcou-me o cheiro da mesma a acariciar-me o nariz enquanto esticava os sacos de cama, e apesar de nada chegar a uma sopa caseira e bem feita, com a larica que tinha esta soube-me pela vida!
As Castanhas já se punham a assar e o chouriço também. O chá compôs o estômago e tudo isto foi realizado à luz do luar, sem necessidade de utilizar os frontais de tão clara que estava a noite!



 



Tranquilidade...calma...anoitecer...num êxtase, eu escuto pelas montanhas o coração das pedras a bater!

Apesar de já ser Outono, a noite não estava muito fria, o céu cheio de estrelas e a lua quase cheia, tornava esta noite perfeita para uma primeira autonomia!
O silêncio era absoluto na montanha, nem um grilo cantava, nem um pássaro marcava a sua presença apenas um ruído de um suposto mocho muito ao longe...o silêncio era tal que até conseguimos ouvir um zumbido dentro das nossas cabeças carregadas de poluição sonora!!
Orion subiu para cima da cabana e pouco depois fiz-lhe companhia, olhámos o céu e as estrelas. Ele explicava-me a constelação das mesmas, e eu escutava como se da primeira explicação se trata-se. Perguntei-lhe como se formavam as estrelas cadentes e após uma breve explicação eis que surge uma no céu!! Ficámos a olhar incrédulos um para o outro..." Viste?!!"..., e daí a nada outra se seguiu! Estava a ser demais tudo aquilo e antes que surgir-se a terceira Orion sugeriu-me pedir um desejo.
Pedi um desejo sim, para mim e para os meus, um desejo que não tem preço pois não é possível comprar, e eis que pouco depois surgiu a maior e mais brilhante das estrelas que vimos nessa noite perante os nossos olhos entusiasmados! Outras se sucederam mas sempre mais pequenas. Assistimos a todo aquele espectáculo deslumbrante como duas crianças no cinema! Não comíamos pipocas nem bebíamos coca-cola, em revés disso saboreamos um delicioso licor de mel que o Sr. Martins já nos tinha oferecido e que levei para esta ocasião tão especial!


 Ficámos a saber no dia seguinte que tinham anunciado nas notícias que nesta noite haveria uma chuva de estrelas derivada de um cometa...isto é que é acertar!!

Depois fomos para dentro da cabana...

Horas  profundas,  lentas  e  caladas,
Feitas  de beijos sensuais e ardentes,
De  noites  de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas...

Oiço  as  olaias   rindo  desgrenhadas...
Tombam astros em fogo,astros  quentes,
E   do  Luar  os  beijos   languescentes
São  pedaços  de  prata  pelas estradas

Os meus lábios são brancos como lagos...
Os  meus  braços são leves como afagos.
                                                      Vestiu-os o luar de sedas puras...

Sou chama e neve branca e misteriosa...
E   sou,  talvez,  na   noite   voluptuosa,
Ó  meu  poeta, o  beijo  que  procuras!

                                                                                  -  Florbela Espanca -

Pusemos o telemóvel a despertar pois queríamos ver o nascer do sol, acordei 5 minutos antes de o mesmo disparar,os meus sentidos estavam apurados!
Vestimos qualquer coisa mais quente, calçamos as botas e apressámos o passo em direcção ao miradouro do dia anterior, antes de lá chegar já os primeiros raios dourados começavam a surgir, as montanhas de roca negra e rocalva estavam já em tons avermelhados, o vento fresco da manhã fazia-me carícias na face, por momentos desejei ser uma águia a pairar sobre as montanhas do meu Gerês!
Abri ainda mais os meus olhos, procurava o renascer da luz doirada, de coração erguido no alto nas minhas montanhas! Um espectáculo único, fenomenal  em que meu coração sentiu mas não conseguia falar...ficou sem palavras...













Ali ficámos até perdermos a noção do tempo, depois seguimos umas vezes de mãos dadas, outras como pássaros soltos voando pelas montanhas! Seguimos em direcção ao prado da "nossa" cabana.
E neste pequeno percurso senti-me...serena e quase completa, faltavam os nossos cabritinhos, frutos da nossa união, mas que apesar de tudo cortariam com o nosso silêncio...Lol!

O sol coberto de feno doirado àquela hora da manhã, consolava-me a vista e confortava-me a alma! Uma infinita paz de espírito percorria-me o corpo desde a ponta dos cabelos até aos  dedos  dos pés e a mente transbordava de felicidade! Encontrei-me a calcorrear as passadas do prado da serra de uma forma absolutamente única   e extraordinária... senti-me uma privilegiada, por puder assistir a alguns dos fenómenos mais belos da vida, o nascer do sol nas montanhas!!O renascer da vida!
Preparámos e tomámos o pequeno almoço na mesinha junto à cabana. Olhava para a mesma inconsolada por saber que daí a nada ela ficaria e eu partiria.
Arrumámos tudo e deixámos  limpo tal qual tínhamos encontrado. Ainda dei um jeito ao feno no interior da cabana de forma a dar um aspecto mais confortável e fofo. Colocámos as mochilas agora mais leves e partimos...
Ainda parei uns metros à frente olhando para trás...suspirei...senti que uma pequena parte de mim ficou ali...




Seguimos o caminho passando por mais um prado e uma cabana, também ela bem composta e limpinha, mais tarde neste mesmo dia, passámos pelo café fojo do lobo, em Fafião e por coincidência falei com o senhor que colocou o feno nessa mesma cabana!
A gente de Fafião bem pode ter orgulho nos seus currais, todos eles estão muito bem cuidados!


Curral dos bicos altos



Seguimos montanha abaixo com a finalidade de chegarmos novamente à aldeia de Fafião. Caminhamos com muita calma e para mim foram momentos de reflexão que me preencheram. Pensei bastante enquanto caminhava e olhava as montanhas!Pensei naqueles que só procuram o refugio na economia e não conhecem outras realidades da vida, que só procuram realizar-se com o poder do dinheiro, da matéria, dos prazeres fúteis que depois de espremidos não sobra nada! Pensei também nos companheiros que já caminharam connosco das saudades que sinto de alguns, e do desejo que tenho de ainda caminhar com outros mais! Alguns já nos têm pedido ou convidado, mas infelizmente não conseguimos concretizar tudo, quem nos conhece sabe as obrigações familiares que temos e isso está sempre em primeiro lugar! Mas tudo se irá fazendo devagarinho, não estou com pressa de viver mas anseio saborear cada dia que passa ao máximo!

Finalizo toda esta narrativa sem deixar de dizer o seguinte:

Já tive a oportunidade de provar uma estadia num hotel de luxo, da comida refinada e abundante, das piscinas soberbas e artificiais, das bebidas cocktail! Pois...sei que não está ao alcance de todos, mas está ao alcance de muitos, ainda!
Agora tive a oportunidade de deliciar-me numa estadia soberbamente simples e acolhedora, onde tinha tão pouco mas nada faltava, o principal já tinha e não precisei de dinheiro para o adquirir, senti-me tão bem, tão preenchida, tão completa, com uma paz interior e uma satisfação de fazer inveja a qualquer ser mortal! Passei por piscinas  naturalmente soberbas e lindas de morrer! Tudo que adquirimos foi nos oferecido pela mãe natureza e até a noite nos iluminou com a lua e nos proporcionou um fogo de artifício de estrelas cadentes!!
Vimos o sol a deitar-se e acordámos com ele na companhia da brisa matinal! Sentimos o contacto da terra, do verde, do amarelo e de todos as cores naturais! Saciamos a sede nas águas frescas dos ribeiros e das fontes que esta terra mágica nos ofereceu! Usufruímos também da partilha e da graça humana das belas e confortáveis cabanas que os habitantes de Fafião possuem, sem elas o sabor não era o mesmo!
E tudo isto que está ao alcance de todos...mas só alguns conseguem senti-lo na sua verdadeira e pura plenitude!

E é amar-te assim, perdidamente!
É seres alma e sangue e vida em mim!
E dizê-lo cantando a toda a gente!!

                                                                           - Florbela Espanca -