" Paz das montanhas, meu alívio certo! "

22/09/2011

Homenagem ao último Vezeireiro de Ferral - 2ª Parte


A chuva teimava com suas gotas miúdas e leves, mas temos de colocar os pés a caminho, continuando a calcorrear o santuário serrano.

Do Curral das Negras fomos subindo lentamente até Lama Longa. A única coisa menos boa era o facto de não conseguir mirar a paisagem envolvente devido ao nevoeiro! A chuva essa, não me perturbava, não era fria e a terra cheirava bem!!









Duas surpresas aumentaram a minha felicidade neste espaço de tempo!


Avistaram uma cigarra e Orion trouxe-a até mim!







 
Depois consegui ver finalmente um grande sapo, iguais àqueles que via muitas vezes quando era criança!!








Na última vez que tinha visto Lama Longa estava um dia lindo de Sol e tudo parecia um belo deserto serrano, cheio de vida! Neste dia Lama Longa estava tão diferente, envolvida num grande manto de nevoeiro húmido e misterioso!!
Em tempos, toda aquela área era muito concorrida por homens, devido às minas de Volfrâmio, e os pastores sempre viam alguém de vez em quando! 
Actualmente mais parece um cemitério, quase esquecido pelos vivos...quase, pois no que diz respeito aos vezeireiros  é  orgulhosamente conservada  pela Vezeira de Ferral!!

Forno do curral de LamaLonga
Isto sim! É que é um verdadeiro forno à moda antiga!
Quantas horas teria passado aqui o Sr. António?...


Calcorreando pela Laje dos Bois, sempre com a chuva a bater na cara, seguia também o olhar atento do Sr. António que de vez em quando olhava para trás. Espantada estava  com a resistência deste senhor da serra... sem guarda-chuva nem capota, sem sequer um pequeno boné para proteger a cabeça, caminhava em passo certo e firme, como se aquele chão fosse o interior de sua casa! Conhecia todas as curvas do caminho, todos os desvios a fazer, se necessários.


E quando o piso era mais pedra do que terra, húmida e convidativa a escorregar, o Sr. António Veras deu-me um toque rápido  no  braço e  disse-me " anda por aqui ", desviando-se para o lado direito em  zigue-zague, procurando um caminho mais longo mas seguro.
Devo dizer que nunca me senti tão segura e firme nas terras serranas, seguindo os passos deste sábio Homem!!!

  


E eis que se aproxima talvez um dos momentos altos do dia! Lá em baixo do outro lado do rio, encontrava-se entre as pedras quase que camuflada, uma cabana que a comissão arranjou e limpou, era ali naquele local onde o gado dos lavradores era entregue.  A cabana do Pinhedo.

Cabana do Pinhedo


O Sr. António ficou a contemplar ao longe a cabana/abrigo por uns bons minutos tal como nós, mas com uma grande diferença: Alguns de nós nunca tinha visto aquela cabana que até aqui estava tapada pela vegetação  mas, o Sr. António já lá dormiu e comeu  muitas vezes, abrigou-se da chuva e do frio e tomava umas belas banhocas no ribeiro que passava em baixo. Este Homem já não via esta cabana há pelo menos vinte anos!!



E não tem mais nada que saber, é só descer, e já os cozinheiros e o cozido à Vezeireiro no restaurante de abrigo improvisado aguardavam por nós!! A alegria começava a crescer!! E as fotos falam por si!!


Vinho não faltava!!
Não queiram sequer imaginar, o cheirinho que saía desta panela abençoada!!!
A pão já se cortava...
O presunto também!!
O grande cogumelo que apanharam pelo caminho, ficaria para sobremesa.
E neste dia fiquei baralhada...
Já não sabia se havia de comer para viver...
Ou  se viver para comer !!
E por onde começo?!!
E enquanto que uns comiam...

Outros viam comer...

E aguardavam pacientemente!!
Claro está que a fogueira também foi muito útil para secar a roupa que trazíamos molhada no corpo!
A lente da máquina até embaciou!!



E vamos deixar o pessoal saborear o cozido à vontade, ficámos por esta 2ª parte e em breve publicarei a 3ª e última, com a bonita,  simples e merecida homenagem, ao Sr. António Veras!

E bom proveito, pois os olhos também comem!!



17/09/2011

Homenagem ao último vezereiro de Ferral - 1ªParte




Regresso às fragas de onde me roubaram.

Ah! minha serra,minha dura infância!

Como os rijos carvalhos me acenaram

Mal eu surgi, cansado, na distância!


                               Regresso -  Miguel Torga




Fiz questão de começar com uma imagem do Sr. António Veras, o último vezeireiro que pastoreou o gado bovino pertencente à Vezeira de Ferral, uma das muitas existentes no Parque Nacional Peneda-Gerês.
Esta imagem para mim transmite muito do que foi o passado no Gerês!
O olhar que aqui conseguimos captar, penso que demonstra bem o sentimento que este grande Homem, sentia por dentro, neste memorial dia. Uma combinação de saudade e lembrança, o olhar cansado do sacrifício a que a vida não o convidou mas obrigou! Uma sabedoria serrana  inigualável e uma simplicidade tão bela, como o próprio Sol num dia tímido e nebuloso! Sempre atento e bastante desperto, como se de um castigo ainda levasse, por uma distracção ou descuido que pudesse surgir! No olhar deste genuíno Homem reside um passado jamais esquecido! É caso para dizer que livre não é, pois nenhum homem o permite e nem a própria vida o consente, mas a sua teimosia conseguiu sempre, quebrar um grilhão de uma imensa corrente!!




E aqui está o admirável homem de meia idade, com as suas lembranças e peripécias curiosas, ao que deixa ao homem diplomado um livro recheado de histórias e ainda muito para aprender!!








10 de Setembro de 2010

Após uma semana  inteira de céu limpo  o dia 10 começou um pouco cinzento e surpreender-nos  com uma chuva miúda e inesperada, que a tarde não pediu mas  a terra agradeceu.
Felizmente dos ares serranos já tudo espero e comecei o dia preparada para o que der.
Foi a primeira vez que vi  o Sr. António, e  pouco depois não resisti, dirigi-me ao mesmo demonstrado o meu prazer em conhece-lo!
A caminhada lá começou com os homens alinhados em direcção à já bem conhecida mariola do castanheiro.



Seguimos quase sempre em fila indiana, quebrando o bater das botas  no piso húmido de pé-posto há muito calcorreado. O nevoeiro era cada vez mais cerrado e o dia ameaçava chuva. As conversas foram surgindo timidamente e daqui a nada já ia ouvindo algumas histórias do último vezeireiro, que soavam da sua voz de tom baixo e timbre abafado. Levei um certo tempo a perceber o que dizia, mas simpatizei rapidamente com os seus modos e expressões, tão naturais como a própria serra.


Cedo percebi que algo de bom aguardava-me neste dia, todo aquele grande grupo me era desconhecido à excepção do Sr. Francisco Martins ao qual devo a minha presença neste dia, mas outras pessoas mais eu iria conhecer e receber um pouco da sua sabedoria e hospitalidade geresiana.
O Francisco, um dos fundadores do site Aventura da Saúde, fascinou-me seu empenho pela natureza e montanha! Para além das regras de sobrevivência  tinha uma paixão especial pelos cogumelos e seus benefícios! E claro está pelo Gerês!!!


Após tanto nevoeiro persistente, as nuvens resolveram dispersar um pouco como uma cortina a esvoaçar numa gigantesca janela, deixando os olhares penetrarem num pouco do que a paisagem tem de mais imponente: as Montanhas.

Bonito de se ver!!
Um grave silêncio da paisagem ao fundo, espreitava e se escondia como que jogando às escondidas com o homem! Os garranos  tinham de aparecer mais uma vez, como praticamente todas as vezes que visitámos o Gerês!
Ah! Este ar livre que me preenche, rodeado de vida quase eterna!
Serra nua tamanha, que te vestes de urze, carqueja e giestas, cobre-me com teu manto verde e húmido!

  Serpão


E aqui se escondiam os guardas fiscais no tempo do contrabando, e apanhavam os  pobres desgraçados!!

O tempo começava a encobrir novamente e a chuva a tocar de mansinho como uma orvalhada de S. João!

E com esta não contava, nem fazia a menor ideia, nas montanhas altas do Gerês em tempos à muito perdidos, plantava-se centeio! Eis a prova viva dos seus vestígios:

Se não fosse o Sr. Martins a informar-me, nunca imaginaria  o que aquilo era...
Uma eira para malhar  o centeio!!
E aqui está uma lembrança de um dos resgates efectuados na serra, uma manta térmica!

As barriguinhas já protestavam algo para as consular e por isso acharam por bem fazermos uma paragem no curral das negras para carregar energias! A chuvinha leve parecia vir para ficar, e cada um abrigou-se conforme mais lhe dava jeito!

A maioria ficou-se pelo abrigo das giestas...
Outros preferiram o amparo de um grande conho!







Perguntei: "- Sr. António, o que comiam quando passavam os dias na serra?"
       
Resposta:

- Por cada duas cabeças que levávamos, meio quilo de carne, meio quarto de pão e 1 litro de vinho...e mais qualquer coisita se nos davam!!


Bom mas naquela hora, estava o Arménio atarefado a fatiar o presunto caseiro que trouxe e a oferecer os chouriços também caseirinhos!" E quem é servido?!", perguntava "...está tudo com vergonha?!Vá lá quero ver se fico com a mochila mais leve!!!". E  lá se formava  a  fila dos  mais gulosos!!!...e até nem era pelos chouriçitos...era  mesmo  só  para  o rapaz  puder  ficar  com a mochila mais leve!!! Obrigada Arménio :)

Nota: E em breve publicarei a 2ª parte...a mais deliciosa!